O Surgimento dos Cursilhos de Cristandade: Contexto, Intuições e Caminhos
O Movimento de Cursilhos de Cristandade, "MCC" nasceu em um período de profundas transformações na Espanha das décadas de 1930 e 1940. Marcado pelos efeitos da Guerra Civil (1936-1939), pela ascensão do nacional-catolicismo franquista e pelo impulso de renovação interna da Igreja por meio da Ação Católica, esse contexto revelou-se fértil para novas formas de evangelização. Foi nesse ambiente que jovens da Juventude da Ação Católica Espanhola (JACE), da Diocese de Palma de Maiorca, iniciaram uma experiência que deixaria marcas profundas na vida da Igreja. Contaram, desde o início, com o apoio decidido de seus assistentes eclesiásticos e de seu bispo, Dom Juan Hervás.
Durante as peregrinações organizadas pela JACE a destacados santuários nacionais — especialmente na preparação e realização da grande peregrinação a Santiago de Compostela, que levou cerca de 80.000 jovens à cidade em agosto de 1948 — começou a tomar forma a intuição do que viria a ser a “obra dos Cursilhos”. Os cursillos, pequenos cursos preparatórios organizados em diversas dioceses ao longo dos anos, foram além do objetivo inicial, ganhando novo direcionamento: não apenas preparar para a peregrinação, mas formar discípulos missionários.
Marcado por essa origem “peregrinante”, o Movimento de Cursilhos de Cristandade (MCC) conserva até hoje algumas expressões típicas, como Ultreya — termo derivado do espanhol antigo, que significa “ir mais adiante” — e o Guia do Peregrino, pequeno livro de orações que acompanhava os participantes. Com a expansão do Movimento e seu processo de inculturação em outros países, surgiram adaptações: no Brasil, por exemplo, usa-se “assembleia mensal” no lugar de ultreya, e “Peregrinando com Cristo” em substituição ao antigo Guia do Peregrino.
A proposta fundamental dos Cursilhos era clara: anunciar, com alegria e entusiasmo, o Evangelho de Jesus Cristo, despertando nos participantes uma fé viva, enraizada na graça. O método próprio, querigmático e vivencial, promovia o encontro pessoal com Cristo, favorecendo a conversão interior e o compromisso apostólico. Ao priorizar a experiência concreta da graça, o MCC tocava a emotividade e a liberdade interior dos participantes, num tempo em que muitos cristãos viviam sua fé apenas de modo ritual ou cultural. A bandeira era clara: conquistar o mundo para Cristo.
Assim nasceram os primeiros “Cursilhos de Formação e Apostolado”, o primeiro deles realizado em janeiro de 1949. Logo se multiplicaram os “Cursilhos de Juventude” e os “Cursilhos de Conquista”, especialmente entre 1952 e 1953. A proposta era simples e profunda: formar cristãos conscientes de sua vocação batismal, comprometidos com a renovação dos próprios ambientes.
Alguns jovens sacerdotes da Diocese de Palma de Maiorca, fortemente envolvidos com a JACE, inspiravam-se nas recentes encíclicas de Pio XII, Mystici Corporis (1943) e Mediator Dei (1947). Um deles, recém-doutorado em Teologia pela Universidade Gregoriana, revelou que tinha “obsessão por explicar às pessoas a verdadeira dimensão do cristianismo a partir da consciência do que era a Graça de Deus”. Levara consigo para as reuniões dois tratados teológicos: De Gratia Redemptoris, de Lennerz, e o volume correspondente da sinopse de Tanquerey, buscando apresentar com profundidade acessível a centralidade da graça redentora.
O método dos Cursilhos consolidou-se por seu caráter vivencial, testemunhal, simples e transparente, centrado na escuta, no anúncio e na partilha. Tratava-se de uma evangelização de pessoa para pessoa, com linguagem próxima e interpelações existenciais. Mais do que uma técnica, era uma espiritualidade em ação, capaz de despertar entusiasmo missionário e alegria de ser Igreja.
Como iniciativa nascida no seio da JACE, a “obra dos Cursilhos” expandiu-se rapidamente por diversas dioceses da Espanha. Não obstante, enfrentou resistência, inclusive dentro da própria Ação Católica e da hierarquia. Diante de acusações e críticas, Dom Juan Hervás não hesitou em assumir a responsabilidade pública pela obra, defendendo-a com coragem pastoral. Seu apoio lhe custou, porém, a transferência da Diocese de Maiorca para a de Ciudad Real.
Em Maiorca, os Cursilhos foram postos sob suspeita e praticamente suspensos por seu sucessor, Mons. Enciso Viana. Alguns dos pioneiros foram silenciados e a experiência permaneceu interrompida até o fim de 1957. A reorganização do Movimento na ilha só ocorreu em 1958.
Durante a 15ª Assembleia Geral da JACE, em 1953, Dom Hervás procurou resolver dificuldades internas e deu um novo nome à experiência: “Cursilho de Cristandade”. Suas palavras, que ecoaram profeticamente, foram entusiasticamente aplaudidas:
“...felicitação, sobretudo, por estes abençoados ‘Cursilhos de Cristandade’, que têm a sorte, como Jesus Cristo, de ser ‘sinal de contradição, postos para tropeço e contradição de muitos’” (CAPÓ, Jaime. Cursillos de Cristandad. Ed. Águas Buenas, Porto Rico, 1989).
Era preciso explicar, no entanto, que o termo “cristandade” não expressava o desejo de retorno à Igreja medieval. Tratava-se de uma visão evangelizadora: transformar o mundo — visto então como estando “de costas para Deus” — por meio da ação de cristãos convictos, formando uma “cristandade nova”, enraizada no Evangelho e encarnada nas realidades concretas.
A posterior expansão do MCC em âmbito internacional demonstra sua sintonia profunda com a eclesiologia do Concílio Vaticano II, antecipando muitas de suas intuições. A centralidade do laicato (Lumen Gentium, cap. IV), a urgência da missão (Ad Gentes, cap. I), e o primado do anúncio querigmático (Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI), encontram nos Cursilhos um terreno fértil, já fecundado pelo Espírito.
O surgimento dos Cursilhos de Cristandade representa, assim, uma resposta criativa e profética aos desafios do seu tempo. Mais do que uma metodologia, os Cursilhos são uma experiência viva de fé, comunhão e missão. Sua força continua a residir no essencial: a alegria do Evangelho, a conversão pessoal, o amor à Igreja e o compromisso com a transformação do mundo em Cristo.
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